Lembranças

A madrugada me acordou. Queria me fazer um convite, mas acabou falando algumas insanidades. Tudo bem. Abri a porta da varanda, sentei no chão gelado. Encolhi-me. Tudo sempre foi tão grande, sempre será.   As estrelas cintilavam - bem, eu acho que era isso que estavam fazendo - e conversavam comigo. Depois, cochichavam entre si. Espertas como pensei que eu fosse. Sorri. Os papeis já amarelados pelo tempo não estavam ali ao acaso. Todos me esperavam. Desenhei um sorriso aleatório, dois olhos, um lindo nariz. A lua acenou (estava morrendo de sono). Fiz mais outros não-sei-quantos desenhos. O frio levantou cada um dos pelos do meu braço. Busquei um casaco. Sorri e misturei os desenhos com o lápis. Quis conferir os papeis. (Engraçado, reconheço estes rostos).

O primeiro rosto me lembrou claramente uma senhora, que costumava sorrir o mesmo riso sempre - sem ficar cansativo. Nunca soube como ela conseguia - nem nunca saberei. Era a vovó, a falecida, bem amada. Em outro desenho, pude ver a praia, o Sol lá no fundo - como se já estivesse cansado do seu ofício - e, na frente, Lúcia sorria. Era ainda um botão. Lembrei do verão de 95. Linda. Enquanto eu observava, os desenhos se transformaram em fotos antigas, tornando-se parte da minha memória. Já estava extasiada, a Lua parecia ter despertado e gargalhava. Nessa exata hora, eu vi um rosto. Meu Deus! Sereno, como costumava ser, mesmo quando eu fazia meus escândalos. Com um lindo - lindíssimo - e delicioso sorriso. Ah, meu Deus! Era sim, quem eu menos esperei, digo, quem eu mais esperei. Estava ali, olhando-me. Suspiro. Se eu pudesse beijar sua boca...

Aproximei o papel dos meus lábios e dei-lhe um beijo terno. Ele respondeu. Colocou as mãos em meu rosto e me deu um beijo apaixonado. Abri os olhos, assustada, enquanto ouvia as estrelas batendo umas nas outras, rindo. Era ele, inteiro. Trocamos beijos, carícias e amores até todos adormecerem. (Quero sonhar com isso).

O Sol me despertou num sopro e, rindo sem parar como uma criança chata, espetava-me. Nessa brincadeira, quase fico cega. Ai, que dor! Sentei-me, vi alguns papeis rabiscados - não consegui decifrá-los dessa vez. O azul estendia-se por todo o céu. As poucas nuvens que passeavam me fizeram cara feia. A manhã me chamou e me disse coisas inteiramente agradáveis. Sorri. (Eu me lembrei de tudo).

You May Also Like

0 Comentário(s)