Bom leitor

Quando vi você chegar, entrei em um minicolapso interno, meio que fazendo algum cálculo misterioso que pudesse me ajudar a transpor a barreira entre mim e você. Quero dizer, eu era só uma garota fudida que queria fazer um ménage com seu melhor amigo e a namorada dele. Tinha mesmo alguma maneira de impressionar? Por que é tão difícil resistir a essa onda avassaladora que chamamos de desejo? Falei bobagens, besteiras. Inúmeras. Nem lembro direito, na verdade. Ainda sentia efeitos do minicolapso, dos cálculos sem fundamentos e etc. Até que, de repente, você me olhou. Você me olhou de verdade. Eu, ali, crua. Eu, agarrada como uma criança perdida aos meus medos. Eu, alimentando meus próprios desejos como se fosse um bichinho de estimação. Eu, sorrindo e meio tristonha no olhar. Você me olhou. Você me despiu. Não aquela coisa de sempre. Você me olhou como se tocasse no meu braço - eu, uma criança perdida, longe de casa, quase dizendo cadê minha mãe - e meio que disse que estava tudo bem, meio que disse que eu tinha acabado de encontrar um pedaço de lar. Por que você me olhou daquele jeito? Como você consegue fazer isso, aliás? Droga! Acho que se você tivesse notado meu grau de sensibilidade não teria feito isso. Ou melhor. Droga! Mil vezes droga! Você notou! Você fez o "bom leitor", dum poema que escrevi uma vez. Você me abriu, me leu, me traduziu. Mas que merda. Eu sou uma fábula óbvia, né? E deve ser por isso que foi tão rápido. Se bem que, dos que tentaram me ler, poucos conseguiram traduzir. Talvez seja isso. Talvez, a vida vá me trazer, volta e meia, um bom leitor. Pra me lembrar de que pode existir um pedacinho de lar em qualquer canto, em qualquer alma. Tipo na sua.


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