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Cortes Lentos

Este blog reúne o trabalho literário da escritora capixaba-carioca Isabella Mariano.

Ontem choveu e me peguei lembrando do seu olhar. Não é nada, é só que a chuva me deixa assim, saudosa, nostálgica. Quando te vi pela primeira vez fiquei apavorada. Talvez eu queria que me visse assim, assustada, como se não soubesse o que estava fazendo. Mas sabia. Você também sabia. Tanto que não demorei a decifrar esse seu olhar. Minhas mãos trêmulas nada eram perto da profundidade que havia nos seus olhos. Deu um sorriso pra disfarçar.

É aquela sensação de vertigem. Como se não soubéssemos conceber completamente todas as razões que nos colocaram no alto daquele cume, daquela relação. Mas lá estávamos. Desejosos, pulsando pele e sentimento, tesão e pavor, amor enfim. Confesso que te amei por alguns dias. Acredito que foi a pessoa que amei por menos tempo, mas não sei medir intensidade. Nunca saberei. Só sei que amei.

Seu olhar me tocava. Sua mão me tocava. Sua fala ora rápida e desajustada, ora vagarosa e reticente, me tocava. Ainda toca, quando deixo a memória do ontem se fazer hoje. Quando me permito ver o tempo como um. Como ele é, de fato.

Ah, bem, cansei de medir amores pela duração que eles tiveram. Jamais os mediria por intensidade. Então, simplesmente não meço. Só me permito viver suas loucuras a medida em que me eles interpelam. E me acabo de saudade quando os vejo ir. Tardou, mas aprendi. Há uma força quase raivosa que provoca os encontros e os desencontros. Não cabe a mim, jamais caberá, impedi-la. Por isso, guardo a saudade em mim, bem fundo, para que quando chover eu tenha do que lembrar.
não é medo do fim
ou medo de ir embora
não é medo da queda
do erro, da falta
nem medo do oposto
do nulo, do que virá
essa vertigem, enfim,
não é medo do abismo
é medo de gostar de lá
primeiro:
abrigas um sorriso manso
que não exige palanques ou cortinas aveludadas
tua graça enche campos inteiros
e faz brotar em mim vida
como fruto de uma terra seca

segundo:
tens em ti todos os desejos
de todos os mundos e de todos os tempos
não basta o que vistes ou que pensas em ver
é preciso que saiamos de nós
para, juntos, tocarmos a visão além do alcance

terceiro:
admites que não é preciso que te ame sempre
sabes que amar alguém a todo momento
seria demasiado cansativo
e que as energias que nos habitam
não o fazem apenas em nome do amor
quis te amar
a despeito de toda sua loucura
e que me amasse
apesar de todos os meus medos
não amei, porém
e num bilhete amassado
ensaiei meu pedido perdão:
"uma fantasia, amor
é o melhor
e o mais perigoso
dos remédios"
tua saudade ainda me habita
como os nomes habitam as ruas
incapazes de se redizerem

recebi tua ausência
e depois de um longo curso
quis tê-la mais como dádiva
e menos como maldição

tua falta me leva a buscar
em lugares outros que não os nossos
em outros rostos, outros tempos
ainda que vazios do teu riso
ainda que manchados de alguma dor

tua saudade me faz seguir buscando
seu cheiro
me lembrou uma frase
que quis te dizer
você
com seu jeito torto
de fala engatilhada
e riso voraz
você, meu bem,
é o poema
que eu queria escrever
você pra mim
parece um blues
tipo nina simone
ou um jazz
meio etta james
billie holiday
sei lá
parece uma bossa
daquelas tristes
estilo noir
que me recolhe os ombros
perto da janela
antes de deitar
parece uma música que ouvi
com o menino cazuza
que esses dias me lembrou
daria tudo pra saber
"das cores e das coisas pra te prender"
eu vou colocar meu olho
bem na frente do seu
e largar meu cheiro
debaixo do seu nariz
vou aplicar meu gosto
na ponta da sua língua
e plantar minha voz
feito música no seu ouvido
pra que, depois, sua mão
decida o caminho
e encontre minha pele
por puro e espontâneo
desejo
os inícios não me interessam muito
apesar de nunca esquecê-los
com sua flores de primavera
e suas cores sempre tão felizes
os meios tampouco me afetam
ora outonais, ora veranis
sempre indo do gozo ao luto
mas devo confessar
aqui entre nós e esses goles de cachaça
que os finais, ah, os finais, meu amigo!
esses sempre acabam comigo
um abutre me ronda
sei bem o que espera encontrar
um corpo estirado adormecido
entorpecido quase morto
mas quente
um corpo alongado com curvas
sem curvas um corpo
um corpo sem dono
um corpo deixado largado
abandonado na mesa do bar
um corpo que ao acordar
só vai saber do abutre
quando o ventre começar a latejar
ser ou estar
no meu verbo
pouco muda
minha semântica
está e é
ou esteve e foi
ou estava e era
não sei
sei que sou algo
quase sempre perto
pra atestar que sou
- ou estou -
agora
tua
ausência
não fez
falta
mas
te reencontrar
foi um
presente
tive em mim
todos os sonhos do mundo
num estalo contudo
a vida se revelou
como máscaras
que caem sobre a mesa

o véu se rasgou repentino
e me vi gotejar depressa
olhei em sua direção
não mais estava estendida
a mão que me acalmara o choro
do mais terrível pesadelo

foi como se
a doçura que me habitava
a pureza dos gestos
a dádiva da ignorância
a ilusão do amor
e tudo o que você me fez
matassem metade de mim
para em seguida
caírem sobre mim feito águas
num batismo quase sagrado
que me fez nascer de novo
mais feroz e mais instigante
de minhas próprias cinzas
agora que sei
não me dói mais lembrar
é como se um lento rio passasse
e sobre as plantas pequenas
orvalho formasse
e o cheiro de terra
me subisse docemente
enquanto a brisa
leve e suave, me tocasse
lembrar de você não é mais dor
é deleite
quis ter dito tudo naquela exata hora
ferir o silêncio a cortes lentos
arrancar a dor pela raiz
e enterra-lá dentro de mim
querendo-a que fosse adubo
pra outros tempos
outros lares
e outras de nós

reticente, contudo, não pude
ruminei a angústia acumulada
e a fala entupiu no instante seguinte
a ânsia me subiu à garganta
mas engoli com um trago da sua cerveja quente

lembro-me como se fosse ontem
ainda ficou na boca um gosto de fel
por não saber seguir em frente
desbravou meu corpo
feito mata virgem
me olhou curioso
feito marinheiro de primeira viagem

se atentou ao desenho
às curvas, aos pelos
desenhou na forma
vagarosamente com seus dedos

sentiu, bateu, entrou

explorador nato
deixou um rastro alvo
pra, mais tarde, poder voltar
estou sempre dizendo
nem sempre digo com palavras
às vezes digo com o corpo mesmo
"Linguagem", você diz
ah, linguagem é isto: corpo
a corporeidade das coisas
que calhou ser esses signos todos juntos
Linguagem é sair sem se abandonar
e, queira você ou não, é o que fazemos
com essa troca de olhares no meio bar
ou quando nos tocamos dividindo o isqueiro
volta e meia a gente faz isso mesmo
a gente diz mesmo sem querer dizer
tenho sido abrigo para o caos
que se aconchega em busca de paz
que faz do meu peito cama, casa e mama
vem e implora ordem
chora seu próprio caos e depois vai
como quem só queria chorar
como quem só queria bagunçar
e bagunça
mas quem nasceu assim como eu
com esse jardim entre as pernas
não tem outra opção se não sorrir
e com um aceno lento e delicado
despedir-se
como se estivesse em paz
como se não quisesse chorar
mas chora

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Isabella Mariano
Isabella Mariano nasceu em 1992, no Rio de Janeiro, mas logo se mudou para Vitória. É jornalista, escritora, designer e mestre em Comunicação e Territorialidades. Em 2013, publicou o livro "gotas" e, em 2015, o "Cortes Lentos" - ambos de poemas.
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