estou viva, finalmente. podemos fazer contato.

você me pergunta como estou. penso em dizer que estou por um triz, um triz que me conecta ao centro da terra. fótons, prótons e eletróns agitados me equilibram e me reorganizam continuamente, enquanto a gravidade me puxa pr'aqui e pr'ali. penso em dizer que fiquei triste quando soube do uso de mão de obra escrava em países da áfrica para extração de cristais. penso sobre o desequilíbrio ambiental e o super aquecimento da terra. penso no inevitável fim. penso na entropia que, de repente, se mostra como um processo que, sob determinadas circunstâncias, pode ser revertido. será que o fim é tão inevitável assim, então? 

penso sobre como preciso me explicar o tempo inteiro. e sobre como me sinto cansada. viver é uma maratona e sinto que mal aprendi a andar. às vezes, parece que desaprendo até a respirar. puxo o ar com força, lembrando de que, para existir, é preciso suspirar uma boa dose de oxigênio. penso em te dizer que tenho medo de perceber que nunca fui amada e, por isso, sobre esse assunto, não penso tanto assim. 

de vez em quando, porém, imploro por atenção e me sinto aquela criança abandonada na escola, cuja mãe esqueceu de buscar, porque o álcool já lhe havia feito esquecer das horas. sempre e de novo, retorno a ela, na tentativa de que, algum dia, ela já não espere mais. na tentativa de que, algum dia, ela possa ir embora sozinha. 

aliás, eu estou indo embora sozinha. enquanto penso em tudo isso, percebo que não preciso mais esperar que alguém me dê a mão para atravessar a rua. eu posso atravessar sozinha. lembro do dia que soltei a mão da babá e quase fui atraopelada. meu ímpeto pela independência nem sempre foi consciente, muito menos responsável. agora, não. 

agora eu posso te dizer como estou. 

estou viva. é só o que posso lhe garantir. estou viva, porque sinto, porque morro de medo, porque ainda não aprendi dizer adeus ou mesmo perder. estou viva, porque busco mais, busco me conectar, busco dar significado, busco não parar de viver. porque, meu bem, se eu parar. ah, se eu parar... 

faz um tempo que tenho sentido dificuldades em me conectar com as pessoas. isso é recado pra se conectar consigo mesmo, então. né? e aí vou gastando as horas me observando no espelho. vejo minhas curvas, meus sonhos. meus medos, meus cabelos. vejo a imagem toda, corpo e mente, ali como um mapa. 

fecho os olhos e me despeço da necessidade de estar sempre certa. é uma despedida diária e doi nos meus órgãos dizer adeus. abraço o erro. abraço as prerrogativas que tenho em mim e todos aqueles abandonos que me fazem companhia. sozinha sigo, é verdade, mas nunca sem ninguém para amar. 

porque o amor é a minha fogueira nessa selvagem floresta que é ser exatamente quem eu sou. o amor é o que me sustenta. por isso, afasto rápido pensamentos sabotadores e observo o amor da professora que me fez companhia em todo o meu momento de falta. observo o amor que vem de dentro (da Terra) que me conservou amável, mesmo depois de me faltar o amor que mais desejava. e na mão dela seguro. e com ela, prossigo. 

eis a tua resposta, portanto: estou viva, finalmente. podemos fazer contato.

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