O melhor cheiro do mundo

Não demoraria para amanhecer. Tentaram avisar-me que surpresas não dão em boa coisa. Que cena terrível! Estava exausta, terrivelmente exausta. Precisava da minha cama com o meu homem e a nossa paixão. É uma delícia poder se entregar sem covardia e, depois de tanto tempo, onde haveria de existir covardia nisto? Chega a ser gratificante. A viagem tinha sido um porre, mas sem cerveja. Há sete anos venho fazendo a mesma coisa e, pelo menos, há 3 anos tenho reclamado. Que merda de profissão. Ninguém mandou querer virar burguesa para, depois, colocar um filhinho cristão-burguês no mundo. Imaginei-o (o meu homem) lindo e cheiroso, não exatamente me esperando, já que não havia avisado, mas cuidando da cama. E estava mesmo. Não com o cheiro de sempre, exalava um perfume diferente. Nunca tinha reparado que quando estamos no ápice do prazer, exalamos um cheiro delicioso e, definitivamente, inigualável. Eu bem sabia que não havia igual, já que criar e divulgar perfumes me deixava confusa, às vezes, mas naquele momento eu tinha absoluta certeza do que via, ouvia, e sentia. Para dizer a verdade, quis sentar e observar e ainda fazer umas anotações sobre quais fragâncias florais se assemelhavam com aquele maravilhoso cheiro. Que cena terrível! Eu estava ali e como se não me percebessem, a moça dos lábios escarlates, de olhos fechados só se focava em gritar o mais alto que pudesse para acalçar maior prazer (para ele ou para ela?). Não me arrepiei nem senti vontade de gritar, ou de pintar meus lábios com ela. Senti-me em um filme. Não era de terror e nem pornô. Era real, daqueles filmes que se tratam de relações humanas. E o assisti lembrando de minha história - linda, por sinal - com aquele rapaz, plebeu. Alguns movimentos e posições que pensei, ironicamente, que pudessem completar o Kamasutra. Mas até hoje, não sei como consegui permanecer invisível por tanto tempo e inerte, também. Costumava ser muito impulsiva. Talvez o trabalho estivesse me sugando e talvez aquela cena tivesse motivo, ou não. Deitei-me ali mesmo, no chão frio, gelado. Dramático. Encolhida e ouvindo os gritos e sussurros, que delícia se fosse eu a dos lábios rubros. Comecei a pensar que já haviam me avisado, poderia ser esta a razão pela qual não atuei meu papel de mulher estarrecida. É impressionante, como que, no final, a opnião alheia tanto nos afeta. Pensei, também, no tempo. Já eram cinco horas da manhã e eles na busca do orgasmo perfeito que os matasse. Declarando-se em poesia pra qualquer ninguém ou para ela mesma - como eu poderia saber se era alugada ou era dele?. Indagava ao subconsciente ou a qualquer força que fosse capaz de ler-me os pensamentos: Desde quando estavam ali? Fazia alguns meses que não nos mantínhamos na cama por tanto tempo - este, somente o que eu presenciei, quanto mais a outra parte inicial (inimaginável). Comecei a divagar comigo mesma, em pensamento, sobre quando eu voltasse ao normal e saisse desse transe tão raro, como reagiria? Deveria me matar, forjar um acidente? Arranjar uma gravidez, comprar o Kamasutra? Consultar a cartomante, gritar e romper tímpanos? Que cruel era passar por isso. Será que alguém teria passado por isto e ficado inerte como eu, desta maneira? Se há, gostaria de conhecê-lo e marcar a data do casório. Como eu poderia ser irônica diante daquela situação? Que insensibilidade com meu próprio amor! Eu durmi. Fui acordada por passos inaudíveis de 'adeus', com um sorriso invisível desejei 'bom-dia' a ela, me enrrolei em novos lençóis e disse ao meu amor: - Hoje eu descobri o que é amar. Todo amor dura para sempre, porque o sempre, contraditoriamente, não é eterno. Vou te amar mais alguns tempos e depois vou embora com um galã de novela e eu te amo. Eu durmi tranquilamente e imagino que ele tenha tentado arranjar uma explicação, assim como eu quando deitada no chão. Mas tenho certeza, absoluta (porque já vivi as consequencias daquele dia), de que ele me amou mais do que a própria alma naquele instante. Fim.

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